XI. RECURSOS EXPRESSIVOS
O domínio sobre os Recursos Expressivos da Língua Portuguesa é uma competência crucial, não apenas para a interpretação refinada de textos, mas também para o ensino eficaz da leitura e da produção textual. A banca IDECAN, assim como outras organizadoras de certames para o magistério, valoriza a capacidade do candidato de identificar, analisar e interpretar o uso desses recursos e os efeitos de sentido que eles promovem.
I. Recursos Sonoros (Fonológicos ou Estilísticos) - Referem-se à exploração dos sons das palavras e de sua organização para criar efeitos de musicalidade, ritmo e expressividade, especialmente em textos poéticos, mas também presentes na prosa.
A. Estrofação: É a organização dos versos em unidades chamadas estrofes. A disposição e o número de versos por estrofe contribuem para o ritmo, a estrutura visual e a progressão das ideias no poema.
· Principais Tipos de Estrofes (quanto ao número de versos):
o Dístico: 2 versos
o Terceto: 3 versos
o Quarteto (ou Quadra): 4 versos
o Quintilha (ou Quinteto): 5 versos
o Sextilha (ou Sexteto): 6 versos
o Sétima (ou Septilha): 7 versos
o Oitava: 8 versos
o Nona: 9 versos
o Décima: 10 versos
o Irregulares: Número variável de versos.
· Função: Além da organização formal, a estrofação pode marcar pausas, delimitar unidades de sentido, criar expectativas e contribuir para a cadência do poema.
B. Rimas: É a identidade ou semelhança de sons entre palavras, geralmente no final dos versos (rimas externas), mas também podendo ocorrer no interior deles (rimas internas).
Classificação quanto à Posição no Verso:
o Emparelhadas (ou Paralelas): Rimam dois a dois (AA BB CC).
o Interpoladas (ou Opostas, Enlaçadas): O primeiro verso rima com o quarto, e o segundo com o terceiro (ABBA).
o Alternadas (ou Cruzadas): O primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo com o quarto (ABAB).
o Encadeadas: Rima do final de um verso com uma palavra do interior do verso seguinte.
o Internas: Rimas que ocorrem dentro de um mesmo verso ou entre uma palavra no final de um verso e outra no meio de outro.
Classificação quanto à Sonoridade/Valor (Qualidade):
o Rima Pobre: Entre palavras da mesma classe gramatical (ex: amar/cantar - verbos; beleza/tristeza - substantivos).
o Rima Rica: Entre palavras de classes gramaticais diferentes (ex: amar/mar - verbo e substantivo; bela/estrela - adjetivo e substantivo).
o Rima Rara: Entre palavras de difícil combinação sonora, pouco usuais (ex: cisne/tisne).
o Rima Preciosa (ou Perfeita): Combinação de palavras homófonas ou com terminações muito elaboradas e raras. Considerada por alguns como um tipo de rima rara ou um virtuosismo.
o Rima Perfeita (ou Consoante): Identidade total dos sons a partir da vogal tônica (ex: amor/flor, perdido/sentido).
o Rima Imperfeita (ou Asoante, Toante): Identidade apenas dos sons vocálicos a partir da vogal tônica (ex: boca/sorta, estrela/vela).
Função Expressiva: A rima contribui para a musicalidade e o ritmo do poema, estabelece conexões semânticas entre as palavras que rimam, facilita a memorização, pode criar surpresa ou reforçar o tom (humorístico, solene, etc.).
II. Recursos Semânticos
Envolvem a exploração dos significados das palavras e das relações de sentido para construir a expressividade do texto.
A. Conotação e Denotação:
Denotação: É o sentido literal, objetivo, dicionarizado da palavra. É o significado básico, referencial. Exemplo: "O coração é um órgão vital." (sentido biológico)
Conotação: É o sentido figurado, subjetivo, associativo da palavra, que evoca outras ideias, sentimentos, sensações ou valores culturais. Depende fortemente do contexto. Exemplo: "Ele tem um coração de pedra." (sentido de insensibilidade)
Importância do Contexto: O contexto é fundamental para determinar se uma palavra está sendo usada em seu sentido denotativo ou conotativo. A linguagem literária, publicitária e cotidiana exploram amplamente a conotação.
B. Figuras de Linguagem: São desvios da linguagem comum, utilizados intencionalmente para conferir maior expressividade, originalidade, emoção ou poder de persuasão à comunicação.
Figuras de Palavras (ou Tropos): Baseiam-se na alteração do sentido literal das palavras.
Metáfora: Comparação implícita, sem o conectivo comparativo, em que se atribui a uma palavra características de outra por uma relação de semelhança subentendida. Exemplo: "A vida é uma nuvem que voa." (Vida = nuvem) / "Seus olhos são duas jabuticabas."
Comparação (ou Símile): Comparação explícita, utilizando conectivos comparativos (como, tal qual, assim como, que nem, etc.). Exemplo: "Seus olhos brilhavam como duas estrelas."
Metonímia: Substituição de um termo por outro, havendo entre eles uma relação de contiguidade, interdependência ou inclusão.
Os principais tipos de relação são: O autor pela obra: "Li Machado de Assis." (Li a obra de Machado de Assis). O continente pelo conteúdo: "Bebeu um copo d'água." (Bebeu o conteúdo do copo). A causa pelo efeito (ou vice-versa): "Vivo do meu trabalho." (Vivo do dinheiro que o trabalho produz). O lugar pelo produto: "Comprou um porto." (Comprou um vinho do Porto). O instrumento pela pessoa que o utiliza: "Ele é um bom garfo." (Ele come bem). A marca pelo produto: "Usava um bombril para arear as panelas."
Sinédoque (considerada por muitos um tipo de metonímia): Substituição da parte pelo todo (ou vice-versa), do singular pelo plural (ou vice-versa), do gênero pela espécie, da matéria pelo objeto. Exemplo: "Não tinha um teto para abrigar-se." (teto = casa - parte pelo todo) / "O homem destruiu o planeta." (homem = humanidade - singular pelo plural/espécie pelo gênero)
Catacrese: Emprego de uma palavra fora de seu sentido original por falta de um termo específico, tornando-se uma espécie de "metáfora desgastada" ou empréstimo de termo. Exemplo: "o pé da mesa", "o braço da cadeira", "o dente do alho", "embarcar no avião".
Sinestesia: Fusão de sensações percebidas por diferentes órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato, tato, paladar) numa mesma expressão. Exemplo: "Um grito áspero quebrou o silêncio." (audição + tato) / "Sua voz tinha um doce amargor."
Antonomásia (ou Perífrase): Substituição de um nome próprio por uma expressão ou qualidade que o tornou célebre, ou vice-versa. Exemplo: "o Poeta dos Escravos" (Castro Alves), "a Cidade Luz" (Paris), "o Rei do Futebol" (Pelé).
Figuras de Pensamento: Afetam o significado das ideias e dos pensamentos, indo além do sentido das palavras isoladas.
Hipérbole: Exagero intencional de uma ideia para dar ênfase ou expressividade. Exemplo: "Estou morrendo de sede!" / "Chorou rios de lágrimas."
Eufemismo: Suavização de uma expressão ou ideia considerada desagradável, chocante ou grosseira. Exemplo: "Ele partiu desta para melhor." (em vez de morreu) / "Faltou com a verdade." (em vez de mentiu)
Ironia: Afirmar o contrário do que se pensa ou do que a realidade sugere, geralmente com intenção crítica, sarcástica ou humorística. O contexto é crucial para sua identificação. Exemplo: "Que inteligente, deixou a chave dentro do carro!"
Personificação (ou Prosopopeia): Atribuição de características, ações ou sentimentos humanos a seres inanimados ou irracionais. Exemplo: "O vento beijava seus cabelos." / "As árvores pareciam tristes no outono."
Antítese: Aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos ou contrastantes. Exemplo: "O amor e o ódio caminham lado a lado." / "A vida é feita de altos e baixos."
Paradoxo (ou Oxímoro): União de ideias aparentemente contraditórias e ilógicas numa mesma estrutura, que expressam uma verdade mais profunda ou um conflito. Exemplo: "Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente." (Camões) / "Contentamento descontente."
Gradação (ou Clímax): Apresentação de ideias em progressão ascendente (clímax) ou descendente (anticlímax). Exemplo (ascendente): "Ele gemeu, gritou, berrou, explodiu!"
Apóstrofe: Interpelação ou invocação enfática a seres presentes ou ausentes, reais ou imaginários. Exemplo: "Ó céus, por que me abandonaste?" / "Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?" (Castro Alves)
Figuras de Sintaxe (ou de Construção): Relacionam-se com a organização e a estrutura gramatical da frase, alterando a ordem comum dos termos ou omitindo/repetindo elementos.
Elipse: Omissão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto. Exemplo: "Na sala, apenas quadros e lembranças." (omissão do verbo 'haver' ou 'existir')
Zeugma: Tipo de elipse que consiste na omissão de um termo (geralmente um verbo) já expresso anteriormente na frase ou no período. Exemplo: "Ele prefere cinema; eu, teatro." (omissão de 'prefiro')
Silepse: Concordância que se faz com a ideia subentendida, e não com o termo expresso. De Gênero: "Vossa Excelência está preocupado." (concorda com a ideia de homem, se for o caso) De Número: "A multidão gritava e aplaudiam sem parar." (concorda com a ideia de 'muitas pessoas') De Pessoa: "Os brasileiros somos um povo alegre." (o falante se inclui no sujeito)
Pleonasmo: Repetição de uma ideia já expressa, com o objetivo de dar ênfase (pleonasmo literário ou estilístico). Deve-se distinguir do pleonasmo vicioso ("subir para cima"). Exemplo (literário): "Vi com meus próprios olhos." / "Rir meu riso."
Anáfora: Repetição da mesma palavra ou expressão no início de versos, frases ou orações sucessivas, para dar ênfase. Exemplo: "Quando não havia mais nada, quando a esperança se esvaíra, quando o silêncio imperava..."
Polissíndeto: Repetição enfática de conjunções coordenativas (geralmente aditivas). Exemplo: "E chora, e geme, e grita, e se desespera."
Assíndeto: Omissão das conjunções coordenativas entre palavras ou orações, criando um efeito de rapidez ou acumulação. Exemplo: "Vim, vi, venci."
Hipérbato (ou Inversão): Alteração da ordem direta dos termos na oração (sujeito-verbo-complemento) para fins estilísticos. Exemplo: "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heroico o brado retumbante." (Hino Nacional Brasileiro)
Sínquise: Inversão muito violenta e obscura da ordem dos termos, dificultando a compreensão.
Anacoluto: Interrupção da estrutura sintática da frase, deixando um termo solto, sem função sintática definida, geralmente no início do enunciado. Exemplo: "Esses políticos de hoje, não se pode confiar neles."
III. Recursos de Efeitos de Sentido (Mecanismos de Construção de Sentido)
Estes recursos não são figuras de linguagem em si, mas escolhas e estratégias textuais que o autor utiliza para construir significados específicos, guiar a interpretação e alcançar seus objetivos comunicativos.
A. Seleção Lexical: É a escolha cuidadosa e intencional das palavras (léxico) pelo autor. A seleção lexical afeta diretamente o significado, o tom (formal, informal, irônico, solene), o estilo, a clareza, a precisão e o poder de persuasão do texto.
Implicações: A escolha entre sinônimos, o uso de palavras com forte carga conotativa, a preferência por termos técnicos ou populares, tudo isso contribui para o efeito de sentido global.
B. Hierarquização das Informações: Refere-se à forma como o autor organiza e apresenta as informações no texto, dando maior ou menor destaque a determinados aspectos. Envolve a progressão temática e a disposição das ideias.
Estratégias: Uso de tópicos frasais (ideia principal do parágrafo), ordem direta ou inversa dos termos na frase, uso de conectivos para indicar a importância relativa das informações (ex: "em primeiro lugar", "principalmente", "além disso"), disposição gráfica (títulos, subtítulos, negrito, itálico).
C. Construções Metafóricas (para além da figura isolada): Refere-se ao uso de sistemas metafóricos ou metáforas conceituais que podem permear e estruturar um texto inteiro ou uma parte significativa dele. Não se trata apenas de uma metáfora pontual, mas de uma forma de pensar e expressar um conceito em termos de outro. Exemplo: Um texto que descreve uma discussão como uma "batalha" (argumentos são "armas", o opositor é um "inimigo", quem cede "perde terreno"). A metáfora "DISCUSSÃO É GUERRA" organiza a forma como o tema é apresentado e compreendido.
D. Elaboração do Título: O título é um elemento paratextual fundamental, com grande potencial expressivo.
Funções: Atrair a atenção do leitor. Antecipar o tema ou a ideia central do texto. Resumir o conteúdo. Criar suspense ou curiosidade. Ser irônico, metafórico ou polissêmico. Indicar o gênero textual. Expressividade: A escolha das palavras, a estrutura sintática, o uso de figuras de linguagem ou de jogos de palavras no título são recursos expressivos importantes.
Jogos de Palavras: Exploração intencional da sonoridade, da grafia ou dos múltiplos significados das palavras para criar efeitos de humor, ironia, crítica, ambiguidade lúdica ou reflexão.
Recursos Comuns:
o Polissemia: Uso de uma palavra em diferentes sentidos no mesmo contexto.
o Ambiguidade Intencional: Criação de duplos sentidos para fins expressivos.
o Trocadilhos: Jogo com palavras de som semelhante e significado diferente (parônimos) ou com a polissemia.
o Paronomásia: Uso de palavras parônimas próximas para criar um efeito sonoro ou de contraste semântico.
F. Ocultação ou Explicitação de Fontes de Informação: A maneira como o autor lida com as vozes alheias (outros textos, autores, discursos) em seu próprio texto.
Explicitação de Fontes: Citação Direta: Transcrição literal da fala ou texto de outrem, marcada por aspas ou destaque gráfico. (Efeito: credibilidade, autoridade, documentação, diálogo explícito). Citação Indireta (ou Paráfrase): Reprodução das ideias de outrem com as palavras do autor do texto. (Efeito: incorporação mais fluida das ideias, demonstração de compreensão). Referência ou Alusão: Menção a uma obra, autor ou fato conhecido. Função geral: Estabelecer diálogo intertextual, fundamentar argumentos, conferir autoridade.
Ocultação de Fontes: Omissão deliberada da origem das informações ou ideias. Possíveis Efeitos (dependendo do contexto e da intenção): Apropriação indevida (plágio, se não for conhecimento comum). Generalização de ideias como se fossem universais ou do próprio autor. Criação de uma voz autoral mais impositiva ou aparentemente original. Simplificação do discurso para um público específico. A análise crítica dessa ocultação é fundamental.
A banca IDECAN, em concursos para Professor de Português, aborda os recursos expressivos de forma consistente, esperando que o candidato demonstre capacidade de: Identificação e Classificação.
Figuras de Linguagem: É muito comum a IDECAN apresentar trechos de textos (literários, especialmente poemas, mas também crônicas e contos) e solicitar a identificação da figura de linguagem predominante ou de uma figura específica. Exemplo de questão: "No verso 'X', identifica-se a presença da seguinte figura de linguagem: (a) Metáfora (b) Ironia (c) Hipérbole (d) Metonímia (e) Eufemismo." Rimas e Estrofação: Em poemas, pode ser pedida a classificação das rimas (quanto à posição e sonoridade) ou a identificação do tipo de estrofe. Denotação vs. Conotação: Questões que pedem para identificar se uma palavra ou expressão está empregada em seu sentido literal (denotativo) ou figurado (conotativo) no contexto dado.
Análise do Efeito de Sentido: Mais do que apenas identificar, a IDECAN espera que o candidato compreenda e explique o efeito de sentido que o recurso expressivo produz no texto. Exemplo de questão: "A metáfora utilizada no trecho 'Y' tem como principal objetivo: (a) tornar o texto mais objetivo (b) criar um efeito de humor (c) intensificar a emoção descrita (d) suavizar uma crítica..." Análise da função da ironia, do humor, da seleção lexical específica, ou do impacto de uma construção metafórica na argumentação ou na caracterização.
Interpretação de Textos Multimodais: A IDECAN utiliza com frequência charges, tirinhas e, por vezes, publicidade. Nessas questões, a análise dos recursos expressivos (ironia, humor, jogos de palavras, ambiguidade intencional) é fundamental, considerando a interação entre linguagem verbal e não verbal. Exemplo de questão: "O humor na charge é construído principalmente por: (a) uma hipérbole no texto verbal (b) o contraste entre a fala do personagem e a imagem (c) o uso de linguagem informal (d) uma metáfora visual..."
Seleção Lexical e Adequação: Questões podem abordar a escolha de determinadas palavras pelo autor e o impacto dessa escolha no tom do texto ou na caracterização de personagens. Pode ser pedido para identificar a alternativa em que uma palavra é usada de forma mais adequada a um determinado contexto ou registro.
Análise de Títulos: A relação entre o título e o conteúdo do texto, bem como a expressividade do título (se é metafórico, irônico, temático, etc.), pode ser objeto de questão.
Reconhecimento de Modalizações (implícito ou explícito): Embora não seja o foco principal como em semântica pura, a identificação da subjetividade e dos pontos de vista do autor, muitas vezes marcados por modalizadores apreciativos (adjetivos, advérbios de modo) ou pelo uso de figuras como a ironia, é parte da análise dos efeitos de sentido.
Dicas para a Prova da IDECAN: Leitura Atenta e Contextualizada: A identificação e, principalmente, a interpretação dos recursos expressivos dependem crucialmente do contexto.
Domínio dos Conceitos: Tenha as definições das figuras de linguagem e dos outros recursos bem internalizadas, mas foque na aplicação. Prática com Provas Anteriores da IDECAN: É a melhor forma de se familiarizar com o estilo das questões, os tipos de textos utilizados e o nível de detalhe esperado. Observe como a banca formula os enunciados e as alternativas. Foco em Textos Literários (especialmente Poesia): Poemas são ricos em recursos sonoros e figuras de palavras/pensamento, sendo frequentemente explorados. Atenção à Multimodalidade: Prepare-se para analisar a interação verbo-visual em charges e tirinhas. Ao dominar a identificação e a análise funcional dos diversos recursos expressivos, você estará apto a desvendar as camadas de significado dos textos e a demonstrar a competência interpretativa e analítica que a banca IDECAN espera de um futuro Professor de Português.
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