VIII. VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E DE REGISTRO

 


O tema "Variação linguística e de registro: variedades linguísticas, preconceito linguístico e uso da língua formal em textos de uso social" é de extrema relevância para a prática docente e figura constantemente em concursos para a área da educação. Compreender esses conceitos permite não apenas um ensino de língua portuguesa mais consciente e eficaz, mas também uma atuação mais crítica e inclusiva em sala de aula. Vamos detalhar cada um desses aspectos.

1. Variação Linguística

Conceito: A variação linguística é um fenômeno natural e inerente a todas as línguas vivas. Consiste nas diferentes maneiras de se utilizar a mesma língua, dependendo de fatores geográficos, sociais, contextuais e históricos. Nenhuma língua é homogênea; ela se manifesta de formas diversas em diferentes comunidades de fala e situações de uso. Essas variações ocorrem em todos os níveis da língua:

·         Fonético-fonológico: Diferenças na pronúncia dos sons (sotaques). Ex: o "r" retroflexo ("caipira") vs. o "r" vibrante ou o "r" aspirado; a pronúncia do "s" em final de sílaba como /s/ ou /ʃ/ ("chiado").

·         Lexical: Uso de palavras diferentes para designar o mesmo conceito. Ex: "mandioca", "aipim", "macaxeira"; "guri", "menino", "curumim".

·         Morfossintático: Diferenças na estrutura das palavras e das frases. Ex: "tu foste" vs. "tu foi"; o uso ou não do pronome objeto antes do verbo ("me dá" vs. "dá-me").

·         Semântico: Atribuição de significados diferentes à mesma palavra ou expressão em diferentes contextos ou grupos.

·         Pragmático: Diferenças no uso da linguagem em atos de fala específicos, como formas de tratamento, polidez, etc.

Tipos de Variedades Linguísticas (Fatores de Variação): As variações são sistemáticas e podem ser agrupadas de acordo com os fatores que as influenciam:

Variação Diatópica (Geográfica ou Regional): Refere-se às diferenças linguísticas observadas entre falantes de diferentes regiões. São os chamados dialetos ou falares regionais, que incluem os sotaques (variações fonéticas) e os regionalismos (variações lexicais). Exemplo no Brasil: O falar nordestino, o gaúcho, o mineiro, o carioca, cada um com suas particularidades. Como é cobrado em concursos: Identificação de marcas regionais em textos, compreensão do conceito de dialeto e sotaque.

Variação Diastrática (Social ou Sociocultural): Relaciona-se às diferenças linguísticas entre falantes de diferentes grupos sociais, considerando fatores como:  Idade: Gírias e expressões típicas de diferentes faixas etárias. Sexo/Gênero: Tendências no uso de certas formas ou entonações (tema complexo e em debate). Classe Social e Grau de Escolaridade: Maior ou menor proximidade com a norma culta/padrão. Profissão: Jargões específicos de determinadas áreas de atuação (ex: jargão médico, jurídico). Grupos/Tribos Urbanas: Gírias como marcador de identidade de grupo. Como é cobrado em concursos: Análise de textos que revelem variedades sociais, identificação de gírias e jargões, compreensão da relação entre língua e identidade social.

Variação Diafásica (Situacional ou Estilística): Refere-se à adequação da linguagem à situação comunicativa (contexto). Um mesmo falante pode utilizar diferentes registros de linguagem dependendo do interlocutor, do assunto, do ambiente e da finalidade da comunicação. Distingue-se principalmente entre registro formal (mais monitorado, usado em situações públicas, com maior distanciamento social) e registro informal (mais espontâneo, usado em situações privadas, com maior proximidade social). Como é cobrado em concursos: Identificação do registro predominante em um texto, análise da adequação da linguagem à situação proposta, diferenciação entre formalidade e informalidade. (Este tópico será detalhado mais adiante).

Variação Diamésica (Meio ou Canal): Diz respeito às variações decorrentes do meio ou canal de comunicação utilizado, principalmente entre fala e escrita. A escrita tende a ser mais monitorada e próxima da norma padrão, enquanto a fala é mais dinâmica e permeável a variações. O meio digital (internetês, "texting") também apresenta características próprias. Como é cobrado em concursos: Análise comparativa entre textos orais e escritos, identificação de características da linguagem digital.

Variação Diacrônica (Histórica): Refere-se às mudanças que ocorrem na língua ao longo do tempo. Palavras caem em desuso (arcaísmos), novas palavras surgem (neologismos), estruturas gramaticais e pronúncias se alteram. Exemplo: "Vossa Mercê" > "vosmecê" > "você" > "cê". Como é cobrado em concursos: Reconhecimento de arcaísmos, compreensão do processo de mudança linguística (geralmente de forma mais conceitual).

 

1.       Preconceito Linguístico

Conceito: O preconceito linguístico é o julgamento de valor negativo e depreciativo dirigido às variedades linguísticas diferentes daquela socialmente prestigiada (geralmente a norma culta ou padrão, associada aos grupos sociais dominantes). Consiste em considerar uma variedade como "superior" ou "correta" em detrimento de outras, rotuladas como "inferiores", "erradas", "feias" ou "pobres". Esse julgamento não tem fundamento científico, pois todas as variedades são sistemas linguísticos completos e funcionais para suas comunidades de fala.

Causas e Consequências: O preconceito linguístico está intrinsecamente ligado a preconceitos sociais. As variedades estigmatizadas são, frequentemente, aquelas faladas por grupos socialmente marginalizados (por classe social, etnia, origem geográfica, grau de escolaridade, etc.).

As consequências são graves: Discriminação e Exclusão: Dificuldade de acesso a oportunidades de emprego, educação e participação social. Baixa Autoestima e Insegurança Linguística: O falante da variedade estigmatizada pode sentir vergonha de sua forma de falar e desenvolver uma relação negativa com a própria identidade cultural. Manutenção de Desigualdades Sociais: O preconceito linguístico reforça hierarquias e estruturas de poder. Dificuldades no Processo de Ensino-Aprendizagem: Alunos podem se sentir desmotivados ou hostilizados se sua variedade materna for desvalorizada na escola.

O Papel da Escola e do Professor: A escola e, em particular, o professor de Língua Portuguesa, têm um papel crucial no combate ao preconceito linguístico: Valorizar a Diversidade Linguística: Reconhecer e respeitar todas as variedades como manifestações culturais legítimas. Desmistificar a Noção de "Certo" e "Errado": Substituir essa dicotomia pela noção de adequação linguística ao contexto comunicativo. Uma variedade pode ser adequada para uma conversa informal entre amigos, mas inadequada para um documento oficial. Ensinar a Norma Padrão/Culta: Apresentar a norma padrão como uma das variedades da língua, aquela socialmente prestigiada e exigida em determinados contextos formais e institucionais. O objetivo é ampliar o repertório linguístico do aluno, garantindo-lhe o acesso a essa variedade, sem desmerecer sua variedade de origem.

Promover a Reflexão Crítica: Levar os alunos a refletirem sobre as relações entre língua, poder e sociedade.

Como é cobrado em concursos: Questões conceituais sobre o que é preconceito linguístico e suas manifestações. Análise de textos (charges, artigos, falas de personagens) que exemplifiquem ou discutam o preconceito. Perguntas sobre a postura do professor diante da variação linguística e do preconceito em sala de aula. Referência a teóricos como Marcos Bagno ("Preconceito Linguístico: o que é, como se faz") é comum.

 

3. Registros de Linguagem (Variação Diafásica)

Conceito: Os registros de linguagem são as adaptações que o falante faz no seu modo de usar a língua em função da situação comunicativa específica. Essa adequação considera o interlocutor, o assunto, a finalidade da comunicação, o ambiente e o grau de formalidade exigido.

Níveis de Registro: Registro Formal (Culto/Padrão): Uso: Em situações mais cerimoniais, públicas, profissionais, acadêmicas, ou com interlocutores com os quais se tem menor intimidade ou uma relação hierárquica. Características: Maior preocupação com a norma gramatical padrão; vocabulário mais preciso, variado e, por vezes, erudito; frases mais elaboradas e complexas; pronúncia mais cuidada; evitação de gírias, regionalismos excessivos e expressões coloquiais. Exemplos: Discursos oficiais, documentos jurídicos, artigos científicos, entrevistas de emprego formais, aulas expositivas.

Registro Informal (Coloquial/Popular): Uso: Em situações cotidianas, familiares, entre amigos, ou em contextos que permitem maior espontaneidade e descontração. Características: Menor preocupação com as regras estritas da gramática normativa; uso de vocabulário mais simples e expressões idiomáticas; frases mais curtas e diretas; maior liberdade na pronúncia; uso de gírias, abreviações, formas contraídas. Exemplos: Conversas entre amigos, bilhetes familiares, posts em redes sociais informais, cartas pessoais.

É importante notar que formalidade e informalidade existem em um continuum, e não como categorias estanques. Pode haver graus variados de formalidade.

4. Uso da Língua Formal em Textos de Uso Social

Conceito de "Textos de Uso Social": São os diversos gêneros textuais que circulam na sociedade e que cumprem funções comunicativas específicas em diferentes esferas de atividade humana. Eles refletem as práticas sociais e as necessidades de interação.

Predominância da Norma Formal/Padrão: Em muitos textos de uso social, especialmente aqueles que têm circulação pública, institucional, profissional ou acadêmica, e que são predominantemente escritos, espera-se o uso da língua formal, ou seja, da variedade linguística de maior prestígio social, que é a norma padrão (também chamada de norma culta formal).

Exemplos de textos que geralmente exigem o registro formal: Documentos oficiais (leis, portarias, ofícios, requerimentos)

Textos jornalísticos informativos e opinativos (notícias, reportagens, editoriais, artigos de opinião em veículos de grande circulação)

Textos acadêmicos e científicos (artigos, teses, dissertações, monografias, resumos acadêmicos)

Textos empresariais e profissionais (relatórios, cartas comerciais, propostas, manuais técnicos)

Ensaios literários e críticos formais.

Razões para o Uso da Língua Formal nesses Contextos: Clareza e Precisão: A norma padrão, com suas regras gramaticais e vocabulário mais estável, visa a uma comunicação menos ambígua e mais precisa. Objetividade: Em muitos desses textos, busca-se uma abordagem mais neutra e impessoal. Credibilidade e Autoridade: O uso da norma padrão confere um caráter de seriedade, confiabilidade e autoridade ao texto e ao seu produtor. Universalidade (Relativa): A norma padrão busca ser uma variedade compreensível por um número maior de falantes da língua, transcendendo, em certa medida, as particularidades regionais ou de grupos específicos. Manutenção de Padrões: Em contextos institucionais e profissionais, a formalidade ajuda a manter padrões de comunicação e a imagem da instituição. Tradição e Prestígio: Historicamente, a norma padrão foi associada aos grupos de maior prestígio social e cultural.

Desafios e o Papel do Ensino

O professor de português tem o desafio de: Ensinar os alunos a dominar a língua formal escrita e oral, capacitando-os para transitar por diferentes esferas sociais e para produzir e interpretar os textos de uso social que exigem esse registro. Fazer isso de forma crítica, mostrando que a norma padrão é uma convenção social e uma ferramenta de acesso, mas não a única forma "correta" de usar a língua. Garantir que o ensino da norma padrão não reforce o preconceito linguístico contra as variedades que os alunos trazem de casa.

Como é cobrado em concursos: Análise de diferentes gêneros textuais quanto ao registro linguístico predominante e sua adequação ao contexto de produção e circulação. Identificação de marcas de formalidade ou informalidade em trechos de texto. Justificativa para o uso da língua formal em determinados gêneros ou situações comunicativas. Questões que abordam a importância do domínio da norma padrão para a cidadania e para a inserção social e profissional. Discussões sobre as dificuldades e estratégias para o ensino da língua formal na escola. Em suma, um professor de Língua Portuguesa bem preparado deve ter uma compreensão sociolinguística apurada, sabendo que a língua é diversa e dinâmica, e que o ensino deve visar à ampliação da competência comunicativa dos alunos, preparando-os para usar a língua de forma adequada e consciente nas mais variadas situações, sempre com respeito à diversidade e com uma postura crítica em relação ao preconceito.

 

 

 

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